Meus Amigos

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Lenda Simbólica



Existe no folclore de várias nações do mundo antiga lenda que exprime comumente a
verdade de nossa vida.
Certo homem que pervagava, infeliz, padecendo intempérie e solidão, encontrou valiosa
pedra em que se refugiou, encantado.
A maneira de concha em posição vertical, o minúsculo penhasco protegia-o contra as bagas
de chuva, ofertando-lhe, ao mesmo tempo, o colo rijo sobre o qual vasta porção de folhas
secas lhe propiciava adequado ninho.
O atormentado viajor agarrou-se, contente, a semelhante habitação e, longe de consagrar-se
ao trabalho honesto para renová-la e engrandecê-la, confiou-se à pedintaria.
Além, jornadeavam companheiros de Humanidade em provações mais aflitivas que as dele,
contudo, acreditava-se o mais infortunado de todos os seres e preferia examiná-los através
da inveja e da irritação.
Adiante, sorria a gleba luxuriosa, convidando-o à sementeira produtiva, no entanto, ocultava
as mãos nos andrajos que lhe cobriam a pele, alongando-as simplesmente para esmolar.
Na imensidão do céu, cada manhã, surgia o Sol, como glorioso ministro da Luz Divina,
exortando-o ao labor digno, mas o desditoso admitia-se incapacitado e enfermo de tal sorte,
que não se atrevia a deixar a pedra protetora.
Ouvia de lábios benevolentes incessantes apelos à própria renovação, a fim de exercitar-se
na prática do bem, a favor de si mesmo, mas, extremamente cristalizado na ociosidade e no
desalento, replicava com evasivas, definindo-se como sofredor irremediável, vomitando
queixas ou disparando condenações.
Não podia trabalhar por faltarem-lhe recursos, não estudava por fugir-lhe o dinheiro, não
ajudava de modo algum a ninguém por ser pobre até à miserabilidade completa, dizia entre
sucessivas lamentações.
Rogava pão, suplicava remédio, mendigava socorro de todo gênero, acusando o destino e
insultando o próximo. . .
Por mais de meio século demorou-se na pedra muda e hospitaleira, até que a morte lhe
visitou os farrapos, arrebatando-o da carne às surpresas do seu reino.
Foi então que mãos operosas removeram o enorme calhau para que a higiene retornasse à
paisagem, encontrando sob a pequena rocha granítica um imenso tesouro de moedas e
jóias, suscetível de assegurar a evolução e o conforto de grande comunidade.
O devoto da inércia experimentara desolação e necessidade, por toda a existência, sobre um
leito de inimaginável riqueza.
Assim somos quase todos nós, durante a reencarnação. .
Almas famintas de progresso e acrisolamento, colamo-nos ao grabato físico para a aquisição
de conhecimento e virtude, experiência e sublimação, mas, muito longe de entender a nossa
divina oportunidade, desertamos da luta e viajamos no mundo à feição de mendigos
caprichosos e descontentes, albergando amarguras e lágrimas, no culto disfarçado da
rebeldia.
E, olvidando nossos braços que podem agir para o bem, estendemo-los não para dar e sim
para recolher, pedindo, suplicando, retendo, reclamando e exigindo, até que chega o
momento em que a morte nos faz conhecer o tesouro que desprezamos.
Se a lenda que repetimos pode merecer-te atenção, aproveita o aconchego do corpo a que
te acolhes, entregando-te à construção do bem por amor ao bem, na certeza de que a tua
passagem na Terra vale por generosa bolsa de estudo, e de que amanhã regressarás para o
ajuste de contas em tua esfera de origem.
38 - A ESMOLA DA COMPAIXÃO
De portas abertas ao serviço da caridade, a casa dos Apóstolos em Jerusalém vivia repleta,
em rumoroso tumulto.
Eram doentes desiludidos que vinham rogar esperança, velhinhos sem consolo que
suplicavam abrigo. Mulheres de lívido semblante traziam nos braços crianças aleijadas, que
o duro guante do sofrimento mutilara ao nascer, e, de quando em quando, grupos de irmãos
generosos chegavam da via pública, acompanhando alienados mentais para que ali
recolhessem o benefício da prece. Numa sala pequena, Simão Pedro atendia,prestimoso.
Fosse, porém, pelo cansaço físico ou pelas desilusões hauridas ao contacto com as
hipocrisias do mundo, o antigo pescador acusava irritação e fadiga, a se expressarem nas
exclamações de amargura que não mais podia conter.
- Observa aquele homem que vem lá, de braços secos e distendidos? - gritava para Zenon, o
companheiro humilde que lhe prestava concurso - aquele é Roboão, o miserável que
espancou a própria mãe, numa noite de embriaguez... Não é justo sofra, agora, as
conseqüências? E pedia para que o enfermo não lhe ocupasse a atenção.
Logo após, indicando feridenta mulher que se arrasava, buscando-o, exclamou,
encolerizado:
- Que procuras, infeliz? Gozaste no orgulho e na crueldade, durante longos anos... Muitas
vezes, ouvi-te o riso imundo à frente dos escravos agonizantes que espancavas até à
morte... Fora daqui! Fora daqui!...
E a desmandar-se nas indisposições de que se via tocado, em seguida bradou para um
velho paralítico que lhe implorava socorro:
- Como não te envergonhas de comparecer no pouso do Senhor, quando sempre devoraste
o ceitil das viúvas e dos órfãos? Tuas arcas transbordam de maldições e de lágrimas. . . O
pranto das vítimas é grilhão nos teus pés. . .
E, por muitas horas, fustigou as desventuras alheias, colocando à mostra, com palavras
candentes e incisivas, as deficiências e os erros de quantos lhe vinham suplicar reconforto.
Todavia, quando o Sol desaparecera distante e a névoa crepuscular invadira o suave refúgio,
modesto viajante penetrou o estreito cenáculo, exibindo nas mãos largas nódoas
sanguinolentas.
No compartimento, agora vazio, apenas o velho pescador se dispunha à retirada, suarento é
abatido.
O recém-vindo, silencioso, aproximou-se, sutil, e tocou-o docemente.
O conturbado discípulo do Evangelho só assim lhe deu atenção, clamando, porém,
impulsivo:
- Quem és tu, que chegas a estas horas, quando o dia de trabalho já terminou?
E porque o desconhecido não respondesse, insistiu com inflexão de censura:
- Avia-te sem demora! Dize depressa a que vens...
Nesse instante, porém, deteve-se' a contemplar as rosas de sangue que desabotoavam
naquelas mãos belas e finas. Fitou os pés descalços, dos quais transpareciam, ainda vivos,
os rubros sinais dos cravos da cruz e, ansioso, encontrou no estranho peregrino o olhar que
refletia o fulgor das estrelas...
Perplexo e desfalecente, compreendeu que se achava diante do Mestre, e, ajoelhando-se,
em lágrimas, gemeu, aflito:
- Senhor! Senhor! Que pretendes de teu servo? Foi então que Jesus redivivo afagou-lhe a
atormentada cabeça e falou em voz triste:
- Pedro, lembra-te de que não fomos chamados para socorrer as almas puras... Venho rogarte
a caridade do silêncio quando não possas auxiliar! Suplico-te para os filhos de minha
esperança a esmola da compaixão...
O rude, mas amoroso pescador de Cafarnaum, mergulhou a face nas mãos calosas para
enxugar o pranto copioso e sincero, e quando ergueu, de novo, os olhos para abraçar o
visitante querido, no aposento isolado somente havia a sombra da noite que avançava de
leve.

domingo, 29 de dezembro de 2013

E fez-se a luz...



E fez-se a luz...

Desde então, 
o Supremo Arquiteto do Universo, Maestro das Supremas Harmonias, detém-se na composição esplêndida da obra do amor infinito,
Entre as claves, de sol e de fá, emolduram-se, incessantemente, notas, andamentos, ritmos e sons, colcheias e semicolcheias, fusas e semifusas, tons maiores e puros; tons menores e dissonâncias compassos e candências num trabalho magistral ...
Dentre a poesia dos sons e o bailado das notas, cresce a partitura da criação nascendo: A Obra da Vida.
Em certo instante, porém, em sua Suprema Bondade, o Criador num assomo, escreve na partitura uma seqüência adorável!
Desta tal como das outras, emana luz e calor, alegria e força! Assim agiu e ainda age, compondo a cada instante outras páginas de vida. Aquela anteriormente composta em uma escala melódica ímpar, reflete uma seqüência harmônica inimitável, chamando-se: A Página da Tua Vida!
Põe-te, então, instrumento de Deus, ao trabalho de emitir a todo instante, ao mundo, os acordes amorosos compostos pelo Criador. 
Contudo, instrumento, lembra-te de que não estás a tocar solitário, fazes parte de um todo, de uma orquestra divina, e a cada naipe de instrumentos compete trabalho igual e importância definida, 
Que tu estejas afinado, e entre os teus companheiros de orquestra emitindo tuas notas, seguindo a partitura escrita na página da tua vida, pois todas as partituras, todos os instrumentos, fazem parte da mesma orquestra que há de soar harmoniosa Não te creias, instrumento, mais importante do que os outros, pois cada um, em seu naipe, faz trabalho importante e todos hão de soar afinados na Orquestra do Senhor!

Moura Rêgo
Rio, 24 de setembro de 2002.

sábado, 2 de novembro de 2013

Infortúnio Materno


                               

Em pleno hospital da Espiritualidade, pobre criatura estendeu-nos o olhar suplicante e rogou:
- O senhor consegue escrever para a Terra?
- Quando mo permitem - repliquei entre pesaroso e assombrado.
Quem era aquela mulher que me interpelava desse modo?
A fisionomia escaveirada exibia recordações da morte. A face inundada de pranto tinha
esgares de angústia e as mãos esqueléticas e entrefechadas davam a idéia de garras em
forma de conchas.
Dante não conseguiria trazer do Inferno imagem mais desolada de sofrimento e terror.
- Escreva, escreva! - repetia chorando.
- Mas escrever a quem?
- As mulheres... - clamou a infeliz. - Rogue-lhes não fujam da maternidade nobre e digna...
peço não façam do casamento uma estação de egoísmo e ociosidade...
Os soluços a lhe rebentarem do peito induziam-nos a doloroso constrangimento.
E a infeliz contou em lágrimas:
- Estive na Terra, durante quase meio século... Tomei corpo entre os homens, após
entender-me com um amigo dileto que seguiu, antes de mim, no rumo da arena carnal, onde
me recebeu nos braços de esposo devotado e fiel. Com assentimento dos instrutores, cuja
bondade nos obtivera o retorno à escola física, comprometemo-nos a recolher oito filhinhos,
oito corações de nosso próprio passado espiritual, que por nossa culpa direta e indireta
jaziam nas fumas da crueldade e da indisciplina... 
Cabia-nos acolhê-los carinhosamente,
renovando-lhes o espírito, ao hálito de nosso amor... 
Suportar-lhes-íamos as falhas
renascentes, corrigindo-as pouco a pouco, ao preço de nossos exemplos de bondade e renúncia... 
Nós mesmos solicitáramos semelhante serviço... 
Para alcançar mais altos níveis de evolução, suplicamos a prova reparadora... 
Saberíamos morrer gradativamente no sacrifício pessoal, 
para que os associados de nossos erros diante da Lei Divina
recuperassem a noção da dignidade.
A triste narradora fez longa pausa que não ousamos interromper e continuou:
- Entretanto, casando-me com Cláudio, o amigo a que me reportei, fui mãe de um filhinho,cujo nascimento não pude evitar...
Paulo, o nosso primogênito, era uma pérola tenra em nossas mãos... 
Despertava em meu ser comoções que o verbo humano não consegue reproduzir... 
Ainda assim, acovardada perante a luta, por mais me advertisse o esposo abençoado, transmitindo avisos e apelos da
Vida Superior, detestei a maternidade, asilando-me no prazer... Cláudio era compelido a gastar largas somas para satisfazer-me nos caprichos da moda... 
Mas a frivolidade social não era o meu crime. .. 
Nas reuniões mundanas mais aparentemente vazias pode a alma aprender muito quando resolve servir ao bem. .. 
Cristalizada, contudo, na preguiça, qual flor inútil a
viver no luxo dourado, por doze vezes pratiquei o aborto confesso... 
Surda' aos ditames da consciência que me ordenava o apostolado maternal, expulsei de mim os antigos laços que
em outro tempo se acumpliciavam comigo na delinqüência, assassinando as horas de trabalho que o Senhor me 
havia facultado no campo feminino... 
E, após vinte anos de teimosia delituosa, ante o auxílio constante que me era conferido pelo Amparo Celestial,
nossos Benfeitores permitiram, para minha edificação, fosse eu entregue aos resultados de minha própria escolha... 
Enlaçada magneticamente àqueles que a Divina Bondade me
restituiria por filhos ao coração e aos quais recusei guarida em minha ternura, fui obrigada a tolerar-lhes o assalto invisível, de vez que, seis deles, extremamente revoltados contra a
minha ingratidão, converteram-se em perseguidores de minha felicidade doméstica...
Fatigado de minhas exigências, meu esposo refugiou-se no vício, terminando a existência num suicídio espetacular... 
Meu filho, ainda jovem, sob a pressão dos perseguidores ocultos
que formei para a nossa casa, caiu nas sombras da alienação mental,desencarnando em tormento indescritível num desastre da via pública, e eu... pobre de mim, abordando a
madureza, conheci a dolorosa tumoração das próprias entranhas... 
A veste carnal, como que horrorizada de minha presença, expulsou-me para os domínios da morte, onde me arrastei
largo tempo, com todos os meus débitos terrivelmente agravados, sob a flagelação e o achincalhe daqueles a quem podia ter renovado com o bálsamo de meu leite e com a bênção
de minha dor...
A desditosa enferma enxugou as lágrimas com que nos acordava para violenta emoção e terminou:
- Fale de minha experiência às nossas irmãs casadas e robustas que dispõem de saúde para o doce e santo sacrifício de mãe! 
Ajude-as a pensar... 
Que não transformem o matrimônio na estufa de flores inebriantes e improdutivas, cujo perfume envenenado lhes abreviará o passo na direção das trevas... 
Escreva!... 
Diga-lhes algo do martírio que espera, além da morte,
quantos quiseram ludibriar. a vida e matar as horas.
A mísera doente, sustentada por braços amigos, foi conduzida a vasta câmara de repouso e, impressionados com tamanho infortúnio, tentamos cumprir-lhe ri desejo e transmitir-lhe a
palavra; contudo, apesar do respeito que consagramos à mulher de nosso tempo, cremos que o nosso êxito seria mais seguro se caminhássemos para um cemitério e assoprássemos
a mensagem para dentro de cada túmulo.

Contos e Apólogos- Irmão 'X' -Francisco Cândido Xavier, 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Poema do Deus Divino



Poema do Deus Divino

(Alziro Zarur)


 O Deus que é a Perfeição, e que ora eu tento 
Cantar em versos de sinceridade,
Eu nunca o vi, como em nenhum momento
Vi eu o vento ou a eletricidade.
Mas esse Deus, que é meu eterno alento,
Deus de Amor, Justiça e de Bondade,

Eu, que não o vejo, eu o sinto de verdade,
Como à eletricidade, como ao vento.
Eu o sinto na ânsia purificadora,
Na manifestação renovadora
Do Belo, da Pureza, da Afeição.
Pois creio é nesse Deus Imarcescível
Que ampara a humanidade imperfeitíssima:
Deus de uma Perfeição inacessível
À humana indagação falibilíssima.
Mas a religião criou Jeová
Como um homem-gigante no infinito;
Que, apesar de onisciente, vive aflito,
Sem ao menos prever o que fará;
Deus que ama e que se vinga, como nós;
Que arrepende de criar o homem;
E, ante os remorsos que a alma lhe consomem,
Ameaça o mundo com uma fúria atroz ...
Tragicomédia multimilenar !
Como pode entre os homens haver paz,
Se um Deus, que se arrepende do que faz,
Inventa o inferno para os castigar?
Repilo o antropomorfo lavé das pestes,
Que os doutores da lei tanto restringem!
Nego as penas eternas, que me impingem
Os proprietários das mansões celestes!

O Deus-satã, ou Deus infernalista,
Não me convence mais, em nenhum grau:

Não posso crer nesse Jeová sadista,
Mais vingativo que um homem mau.
Um Deus parcial, um Deus que tem eleitos,
Que fez Jesus de perfeição sem jaça,
É humana concepção, cujos efeitos
Dão uma Graça exdrúxula: sem graça.
Prefiro crer no Eterno Deus Divino,
Que há um século derrama os seus clarões
De Deus Total que é a síntese, o supino
Infinito de sumas perfeições.
Deus que o homem vislumbrou no ano horizonte
-1857-
Esse ano em que morreu Augusto Comte,
Cuja ciência as religiões derrete.
E é pena que o titã de Montpellier
Não vivesse um pouquinho mais de idade,
Para assistir ao grande alvorecer
Da nova Religião da Humanidade!

Pois creio é nesse Deus Imarcescível
Que ampara a humanidade imperfeitíssima:
Deus de uma Perfeição inacessível
À humana indagação falibilíssima.
Tinhas razão, meu velho amigo Comte:
As religiões –antigas ou modernas –
Alimentam as dúvidas eternas...
Uma não há que o rumo certo aponte!
Se amam o Bem, o Mal também amaram,
No afã de dominar a qualquer preço:
Se inda hoje é assim, pior foi no começo,
Pois em nome de Deus sempre se odiaram!
Como explicar, ó Comte, o ódio implacável
Entre os crentes no mesmo Deus amável,
Que em vão semeia Amor aos filhos seus?
Loucos fiéis, fanáticos e maus!

Eles criaram o hediondo caos
Em que se geram todos os ateus...
Pois creio é nesse Deus Imarcescível
Que ampara a humanidade imperfeitíssima:
Deus de uma Perfeição inacessível
À humana indagação falibilíssima.
A única doutrina espiritual
Que o homem não fez, embora médium peque,
É aquela que tranluz – não integral –
Na codificação de Allan Kardec.
Se é religião, ou deixa de o ser,
Na verdade bem pouco valor tem:
Podemos facilmente compreender
Que religião jamais salvou ninguém.

Se há religião que salve é a da Bondade,
Do amor a Deus e amor aos semelhantes,
Sem quaisquer sectarismos humilhantes,
Que mascaram insídias da maldade.
Católico, e Judeu, e rosa-cruz,
E protestante, e espírita, também:
-Que religião instituiu Jesus,
Senão a eterna Religião do Bem?
Pois creio é nesse Deus Imarcescível
Que ampara a humanidade imperfeitíssima:
Deus de uma Perfeição inacessível
À humana indagação falibilíssima.
Por ser de bons Espíritos doutrina,
Deu-lhe Kardec um nome: Espiritismo
(Nome predestinado a triste sina
Nos púlpitos do Santo Fanatismo).
Não esse espiritismo de crendices,
Que enleia e subjuga o vulgo asnático;
Não o bas fond de públicas sandices
Ou o carnaval de “espiritismo prático”;
Não esse espiritismo de assaltantes
Da bolsa de incautos ambiciosos-
Baixezas de insolentes cartomantes
E de outros pseudomédiuns criminosos.

Se os “guias” a Verdade não transtornam,
Há um fato que não tem contestações:
É que as sessões espíritas se tornam
Um paraíso de contrafações.
Se o Espíritismo fosse apenas isto
-Macumbas com moambas para o mal
E mágicas da bola de cristal-
Louvado seja o Mestre Jesus Cristo!
Seria melhor que, então, voltássemos
Aos tempos da primeira encarnação
E, antropófagos vis por vocação,
Nunca mais nesse mundo reencarnássemos!
Mas até isso o poeta explicará
(E creio que real serviço presto):
O Espiritismo apenas triunfará
Quando o homem for visceralmente honesto.
Não falo,pois, da “fábrica de loucos”
Dos Silva Melo ou dos Henrique Roxo:
Mas do alto Espiritismo, desses poucos
Que não têm dogmas para impor o arrocho.
Eu canto o EspiritismoCiência Pura,
De Crookes, Flammarion e até Richet;
Que ilumina, e consola, e acalma, e cura
O homem que estuda, e persevera, e crê.


Não quero convencer os caprichosos
Agnósticos, e céticos, e ateus:
Bem sei que, para os homens orgulhosos,
Não tem lógica a Lógica de Deus.
Esses correm, também, ao seu destino,
Dentro da universal evolução,
E vão ampliando o próprio descortino
No alto mistério da reencarnação.
Bondade – que os pecados não consomem –
Do Espírito Divino aos filhos seus:

Deus sempre desce até seu filho, o homem,
Quando o homem sobe até seu Pai, que é Deus!
Pois creio é nesse Deus Imarcescível
Que ampara a humanidade imperfeitíssima:
Deus de uma Perfeição inacessível
À humana indagação falibilíssima.


O que separa os mortos dos vivos




Segundo Remédio

                                  
Ausência
Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar; o amor com a da terra. 
E o amor como a lua que, em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado. 
E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes a outra terra? 
Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes? 


Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão?
 Em os longes, passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor.
 Os filósofos definiram a morte pela ausência: Mors est absentia animae a corpore. 
Despediram-se com grandes demonstrações de afeto os que muito se amavam, apartaram-se enfim, e, se tomardes logo o pulso ao mais enternecido, achareis que palpitam no coração as saudades, que rebentam nos olhos as lágrimas, e que saem da boca alguns suspiros, que são as últimas respirações do amor.
 Mas, se tomardes depois destes ofícios de corpo presente, que achareis?
 Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado: tudo esquecimento, tudo frieza. 
Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar, esfriou.o frieza.
 Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar, esfriou.

sábado, 19 de outubro de 2013

A Lei de Deus está escrita na consciência


REFLEXÕES PROPOSTAS 

A maravilhosa viagem humana pelos caminhos terrenos é a mais bela movimentação da vida que vem de Deus, em todos os sentidos que se pode conceber. 
A gama de experiências a que a humanidade está sujeita é infinita. O criador dotou a Sua criatura, que a princípio simples e ignorante, de capacidades que dormem aguardando os estímulos no tempo certo para serem despertadas; estes mecanismos de evolução interior são infinitos, como as são as estrelas do céu; acordarão lentamente um a um, conforme o contato do aprendiz com as verdades divinas, que lhe proporcionarão o aprendizado profundo. 
Entre muitos apontamentos de para onde o homem deve seguir, Ele, o embaixador de Deus para o nosso planeta, esteve aqui mostrando e vivenciando. 
A presença de Jesus no orbe terrestre não é apenas a de um espírito superior que fez coisas extraordinárias e deixou uma linda mensagem de amor; é o indicativo do único caminho que se tem para chegar a Deus. 


Ir ao Pai é alcançar a grandeza de entendimento em relação às coisas celestes como o mestre ensinou, uma visão além da mediocridade de enxergar do homem comum; os servidores do amor de todos os tempos e também destes, o fizeram... 
Alguns alcançaram muitas destas percepções e se tornaram irradiadores do amor de Deus sem necessitarem possuir nenhuma especialidade religiosa, títulos ou honrarias, mas apenas utilizando o coração como Ele ensinou. 
Afinal foram Dele, do mestre amoroso as palavras: “quem quiser vir após mim” [...]. 
Refletindo sobre estas palavras vemos que só existe o “depois Dele”. 
Muitos homens se atribuem santidade antecipada que só pode verdadeiramente ser conquistada despojando-se de tudo o que possa querer diferenciá-lo dos seus irmãos. 
Aqueles que se sentem grandes por fora geralmente são muito pequenos por dentro, é o verniz que cobre imperfeitamente a superfície... 
Um arranhão pode perfuma importado desvelar o que está escondido. 
Afirmam os espíritos venerandos que os caminhos que Ele andou estão quase desertos, empoeirados e cheios de pedrouços, e poucos se aventuram a seguir por ele. 
A mulher desventurada que Ele aconselhou seguiu, e transformou a sua vida. 
Nesta experiência humana atual, como já se foram outras e muitas virão, necessário não esquecer que os ensinamentos do Senhor Jesus fundamentou reflexões em torno do sentimento humano, dando a este a maior importância. 
Ao chamar a atenção, tanto dos Seus discípulos quanto da multidão que o seguia, falou de um reino que não era deste mundo, mas afirmou estar dentro de nós todos. 
Falou da conduta para não fazermos ao outro o que não gostaríamos que nos fosse feito e que a aquele que tem maior amor é o que tem coragem a de dar a vida pelo seu semelhante. Os desejos e as aspirações humanas devem sempre ser direcionados para se fazer o que se deve não o que se quer, objetivando alcançar o bem futuro e o imediato possível, onde cada criatura se prepara para a conquista da paz e da idealizada felicidade. 
Aí, assim, onde estiver o homem estará no céu, salvando-se de si mesmo livrando-se das próprias imperfeições. 
Urge para todos o tempo de assumir o controle sobre os próprios sentimentos, admitindo os inferiores para melhorá-los e reforçando os melhores para coloca-los a serviço do bem em toda parte. Quem ninguém se iluda de transferir-se para o controle deste ou daquele que o possa guiar. 
Cada homem é viajante e também busca o que lhe falta, podendo ser para o outro apenas exemplo do que já conquistou. 
A lei de Deus está escrita na consciência, se a anestesiarmos agora, ela acordará amanhã, exigindo reparação. 

PROPONDO CONQUISTAR POR DENTRO, O HOMEM SERÁ E FARÁ O OUTRO FELIZ. 


Autor: Adelvair David

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terça-feira, 15 de outubro de 2013

Amor Sem Remédio



Quarto Remédio
O melhorar de objeto
Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga.
 Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. 
Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. 
Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto.
 É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. 
Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. 
O maior contrário de uma luz é outra luz maior. 
As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor.
Amor Sem Remédio
Se quando se rendem ao mesmo amor todos os contrários, será justo que lhe resistam os seus, e se na hora em que morre de amor sem remédio o mesmo amante, será bem que lhe faltem os corações daqueles por quem morre? 
Amemos a quem tanto nos amou, e não haja contrário tão poderoso que nos vença, para que não perseveremos em seu amor.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Ingratidão, o remédio mais sensitivo do amor

Terceiro Remédio
Ingratidão




Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. 
A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. 
Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? 
O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito.
 Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. 
O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. 
De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. 
Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade.
 E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver? 
O exemplo que temos para justificar esta razão ainda é maior que os passados.

domingo, 13 de outubro de 2013

O Tempo a Tudo Cura




Primeiro Remédio


                                          ampulheta
O Tempo
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. 
Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! 
São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. 
São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. 
Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. 
De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. 
Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. 
A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. 
Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? 
O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.

sábado, 12 de outubro de 2013

Os grandes comem os pequenos.



                        
Trechos de Sermões do Pe. Antonio Vieira.
Os grandes comem os pequenos.
(…) A primeira coisa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros। Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior। Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. (…)
Pe. Antonio Vieira
(…)Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá: para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer e como se hão de comer.
(…) Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos os estão comendo. Come-o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado, já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.
(…) A diferença que há entre o pão e os outros comeres, é que para a carne há dias de carne, e para o peixe dias de peixe, e para as frutas diferentes meses no ano; porém o pão é comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come: e isto é o que padecem os pequenos. São o pão quotidiano dos grandes. 
Padre Antonio Vieira em Sermão de Santo Antonio aos Peixes, pregado na cidade de São Luís do Maranhão em 1654. 
As ações são as que dão o ser
Trechos de Sermões do Pe. Antonio Vieira.
Os grandes comem os pequenos.
(…) A primeira coisa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros। Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior। Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. (…)
Pe. Antonio Vieira
(…)Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá: para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer e como se hão de comer.
(…) Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos os estão comendo. Come-o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado, já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.
(…) A diferença que há entre o pão e os outros comeres, é que para a carne há dias de carne, e para o peixe dias de peixe, e para as frutas diferentes meses no ano; porém o pão é comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come: e isto é o que padecem os pequenos. São o pão quotidiano dos grandes. 
Padre Antonio Vieira em Sermão de Santo Antonio aos Peixes, pregado na cidade de São Luís do Maranhão em 1654. 

As ações são as que dão o ser


(…) A definição do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho não o comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não diz Cristo: Saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia… Entre o semeador e o que semeia há muita diferença: uma coisa é o soldado e outra cousa o que peleja, uma coisa é o governador e outra o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra o que semeia; uma coisa é o pregador e outra o que prega. O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. 
Trechos do Sermão da Sexagésima, pregado na Capela Real em 1655.

“Os que andastes pelo mundo, e entrastes em casas de prazer de príncipes, veríeis naqueles quadros e naquelas ruas dos jardins dois gêneros de estátuas muito diferentes, umas de mármore, outras de murta. A estátua de mármore custa muito a fazer, pela dureza e resistência da matéria; mas, depois de feita uma vez, não é necessário que lhe ponham mais a mão: sempre conserva e sustenta a mesma figura; a estátua de murta é mais fácil de formar, pela facilidade com que se dobram os ramos, mas é necessário andar sempre reformando e trabalhando nela, para que se conserve. Se deixa o jardineiro de assistir, em quatro dias sai um ramo que lhe atravessa os olhos, sai outro que lhe descompõe as orelhas, saem dois que de cinco dedos lhe fazem sete, e o que pouco antes era homem, já é uma confusão verde de murtas. Eis aqui a diferença que há entre umas nações e outras na doutrina da fé. Há umas nações naturalmente duras, tenazes e constantes, as quais dificultosamente recebem a fé e deixam os erros de seus antepassados; resistem com as armas, duvidam com o entendimento, repugnam com a vontade, cerram-se, teimam, argumentam, replicam, dão grande trabalho até se renderem; mas, uma vez rendidos, uma vez que receberam a fé, ficam nela firmes e constantes, como estátuas de mármore: não é necessário trabalhar mais com elas. Há outras nações, pelo contrário — e estas são as do Brasil —, que recebem tudo o que lhes ensinam, com grande docilidade e facilidade, sem argumentar, sem replicar, sem duvidar, sem resistir; mas são estátuas de murta que, em levantando a mão e a tesoura o jardineiro, logo perdem a nova figura, e tornam à bruteza antiga e natural, e a ser mato como dantes eram. É necessário que assista sempre a estas estátuas o mestre delas: uma vez, que lhes corte o que vicejam os olhos, para que creiam o que não vêem; outra vez, que lhes cerceie o que vicejam as orelhas, para que não dêem ouvidos às fábulas de seus antepassados; outra vez, que lhes decepe o que vicejam as mãos e os pés, para que se abstenham das ações e costumes bárbaros da gentilidade. E só desta maneira, trabalhando sempre contra a natureza do tronco e humor das raízes, se pode conservar nestas plantas rudes a forma não natural, e compostura dos ramos”.
Pe. António Vieira - Fragmento do Sermão do Espírito Santo, capítulo III (1657)
Padre Antonio Vieira (1608-1697)

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Deus seja Louvado;Na Seara de Amor, agimos como deveríamos?





DEUS SEJA LOUVADO

               

No recinto ataviado, aqueles dezenove companheiros da prece conversavam animadamente, embora a noite gélida.
Comentava-se o devotamento de muitos, dos africanos -desencarnados que, não obstante libertos do vaso físico, prosseguem nas mais nobres - tarefas de auxilio.
E, enquanto aguardavam o horário fixado para o início da sessão mediúnica, todas as opiniões mantinham estreita afinidade nos pontos de vista.
- Realmente - afirmava Dona Celeste -, jamais pagarei o que devo a esses heróis anônimos da humildade. Há muitos anos venho recebendo de todos eles os mais amplos testemunhos de amor.
- Lembram-se daquela entidade que se fazia conhecer por "mãe Felícia"? - perguntou Dona Ernestina ao grupo atento. - Desde que ela me administrou passes aos pulmões enfermos, minha recuperação foi completa.
- E o nosso adorável Benedito? - considerou Félix, o fervoroso padeiro que dirigiria o culto da noite - ainda não recorri a ele sem resultado. Em todas as circunstâncias é o mesmo admirável amigo. Abnegado, diligente, sincero.. .
- Eu - aclarava Dona Adélia -, tenho como generoso protetor um ,velho africano que se dá a conhecer por "pai Amâncio". É um modelo de paciência, ternura e bondade. Parece ter trazido da escravidão todo um tesouro de sabedoria e carinho...
- Isso mesmo - ajuntou Fernandes, companheiro atencioso do círculo' -, é indispensável saibamos que muitas dessas entidades, aparentemente apagadas e simples, são grandes almas de escol no progresso da inteligência, que se vestiram de escravos, ao tempo do cativeiro, conquistando a grandeza do coração. Quantos sábios de outrora surgem por trás desses nomes humildes, lavando as nossas mazelas e curando as nossas chagas?
- Sim, sim... - ponderava Ernesto, caloroso defensor da caridade na pequena assembléia - e, sobretudo, devemos aprender com eles a ciência do amor desinteressado e puro. 
Nunca os vi desesperar à frente de nossos petitórios incessantes... Como lhes negar a nossa admiração e respeito Incondicionais?
A conversa prosseguia, no mesmo tom, até que as oito pancadas do relógio fizeram que Félix convocasse o pessoal ao silêncio e à oração.
Os dezenove amigos consagraram-se a alguns minutos de leitura e comentário de precioso livro evangelizante e, em seguida, Dona Amália, a médium mais experiente da equipe, albergou o irmão Benedito, denodado benfeitor do agrupamento, que, ao se apresentar, foi logo interpelado de maneiras diversas pelos circunstantes.
Dona Celeste rogou-lhe amparo em favor de um mano desempregado, Dona Adélia pediu ajuda para a solução de velha pendência que lhe levara o nome a um tribunal, Ernesto solicitou concurso para deteminado tio, portador de úlcera gástrica... .
E não houve quem não formulasse requisições e perguntas.
O velho africano respondeu a todos com invariável benevolência e, afinal, encerrando a reunião, falou, emocionado, pela médium:
- Meus amigos, há longos anos estamos juntos...
Para nós, os irmãos desencarnados, esse largo convívio tem sido uma bênção...
Hoje, invocamos nossa amizade para suplicar-lhes sublime favor...
Com muita alegria, sentimo-nos ainda felizes escravos de vocês todos... 
Em todos vocês, encontramos filhos do coração cujas dificuldades e dores nos pertencem...
 Ah! meus filhos, mas, em verdade, temos também nossos descendentes na Terra! Nossos rebentos, nossos netos... 
Quantos deles vagueiam sem rumo!
Quantos suspiram pela graça do alfabeto!
Quantos se perdem nos morros de sofrimento ou nos vales de treva, entre a ignorância e a miséria, a enfermidade e a viciação! 
Não seria melhor fossem eles cativos nas senzalas do
trabalho que prisioneiros nos charcos do crime?
É por isso que vimos rogar a vocês caridade para eles.. .
São milhares de criancinhas abandonadas, assim como folhas de arvoredo no vendaval!...
Peço-lhes, de joelhos, para que venhamos a iniciar uma cruzada de amor, na solução de problema assim tão grave...
Se cada um de nossos amigos abrigar um só de nossos pequeninos, na intimidade do templo doméstico, ofertando-lhes o nível de experiência em que sustentam a própria família, decerto que, em pouco tempo, teremos resolvido o enigma doloroso...
Não lhes rogo a fundação de abrigos para meninos de pele escura. .. Isso seria alimentar a discórdia de raça e dilatar a separação. Suplico-lhes um pedaço de lar para eles, um pouco de carinho que nasça, puro, do coração.
Se vocês iniciarem semelhante trabalho, o bom exemplo estará vicejando e produzindo frutos de educação e luz na prática fraterna...
O amigo espiritual entregou-se a longa pausa, como quem observava o efeito de suas palavras; entretanto, como ninguém rompesse a quietude, insistiu, generoso: - Quem de vocês desejará começar?
Constrangidos, assim, à resposta direta todos os companheiros se revelaram entre a evasiva e a negação.
Dona Celeste alegou a condição de esposa sacrificada por marido exigente.
Dona Ernestina acusou-se velha demais para ser útil numa iniciativa de tão elevado alcance.
Dona Josefa explicou que tinha a existência presa aos caprichos de uma filha que lhe não concedia o menor prazer.
Ernesto clamou que o tempo lhe fugia em carreira desabalada. . .
Ninguém poderia corresponder favoravelmente à petição. .
Estavam todos doentes, fatigados, velhos, sacrificados ou sem horário suficiente para a lavoura do bem.
E o próprio Félix, a quem cabia o governo da casa, explicou em voz sumida:
- Quem sou eu, pequenino e miserável servo do Senhor, para encetar um empreendimento assim tão grande?
Foi então que o benfeitor espiritual, sentindo talvez o frio ambiente, encerrou o assunto, dizendo, resignado:
- Benedito compreende, meus irmãos! Sabemos que vocês nos ajudarão, quanto seja possível..
Até a semana próxima, quando estaremos novamente aqui, aprendendo com vocês as lições do Evangelho de Nosso Senhor...
E, sorrindo desapontado, despediu-se afirmando como sempre:
- Que Deus seja louvado!