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quinta-feira, 3 de maio de 2012

A Capa de Santo







Certo  discípulo,  extremamente  aplicado  ao  Infinito Bem,  depois  de  largo  tempo ao lado  do
Divino Mestre recebeu a incumbência de ser vi-lo entre os homens da Ter ra.

 Desceu  da  Esfera  Superior  em  que  se  demorava  e  nasceu  entre  as  criaturas  para  ser
carpinteiro.

 Operário  digno  e  leal,  muita  vez  experimentou  conflitos  amargurosos,  mas,  fervor oso,
apegava-se à proteção dos santos e ter minou a primeira missão admiravelmente.

 Tornou ao céu, jubiloso, e r ecebeu encargos de marinheiro.

 Regressou  à  carne  e  trabalhou  assíduo,  em  viagens  inúmeras,  espalhando benefícios  em
nome do Senhor.

 Momentos houve em que a tempestade o defrontou  ameaçador, mas o aprendiz, nas lides
do mar, recorria aos Heróis Bem-Aventurados e entesourou forças para vencer.

 Rematou  o  serviço  de  maneira  louvável  e  voltou  à  Casa  Celeste,  de  onde  retornou  ao
mundo para ser copista.

 Exercitar am-se,  então,  pacientemente,  nos  trabalhos  de  escrita,  gravando  luminosos
ensinamentos dos sábios; e, quando a aflição ou o enigma lhe visitaram a alma, lembrava- se
dos Benfeitores Consagr ados e nunca permaneceu sem o alívio esperado.

 Novamente  restituído  ao  Domicílio  do  Alto,  sempre  louvado  pela  conduta  irrepreensível,
desceu aos círculos de luta comum para ser lavrador.

 Serviu com inexprimível abnegação à gleba em que renascera e, se as dor es lhe buscavam
o  coração ou  o  lar, suplicava os bons  ofícios dos  Advogados dos Pecador es e jamais ficou
desamparado.

 Depois de precioso descanso, ressurgiu no campo humano para exer citar -se no domínio das
ciências e das artes.

 Foi  aluno  de  filosofia  e  encontrou  numerosas  tentações  contra  a  fé  espontânea  que  lhe
sustentava  a  alma  simples  e  estudiosa;  todavia  em  todos  os  per calços  do  caminho,
implor ava  a  cooperação  dos  Grandes  Instrutores  da  Perfeição,  que  haviam  conquistado  a
láurea da santidade, nas mais diversas nações, e atr avessaram ilesas, as provas difíceis.

 Logo  após,  foi  médico  e  surpreendeu  padecimentos  que  nunca  imaginara.  Afligiram-se
milhar es de vezes ante as agruras de muitos destinos lamentáveis; refugiou-se na paciência,


pediu  socorro  dos  Protetor es  da Humanidade  e, com o patrocínio  deles, venceu,  mais uma
vez.

 Tamanha devoção adquiriu que não sabia mais trabalhar sem recur so imediato ao concurso
dos Espír itos Glorificados na própr ia sublimação.

 Para ela, semelhantes benfeitor es ser iam campeões da graça, privilegiados do Pai Supremo
ou súdito favorecidos do Trono Eterno. E, por  isso, pr ossegui trabalhando, agarrando-se-lhes
à colaboração.

 Foi alfaiate, escultor, poeta, músico, escr itor , professor, administrador, condutor, legislador e
sempre se retirou da Terra com distinção.

 Vitorioso em tantos encargos foi chamado pelo Mestre, que lhe falou, conciso:

 - Tens vencido em todas as provas que te confiei e, agora, podes escolher a própr ia tarefa.

 O discípulo, embr iagado de ventura, considerou sem detença:

 -  Senhor , tantas  graças  tenho recebido  dos  Benfeitores Divinos, que, doravante, desejaria
ser um deles, junto da Humanidade...

 - Pretenderias, porventura, ser um santo?-  indagou o Celeste Instrutor, sorrindo.

 - Sim... - confirmou o aprendiz extasiado.

 O senhor, em tom grave, considerou:

 -  O  fruto  que  alimenta  deve  estar  suficientemente  amadurecido...  Até  hoje,  na  forma  de
operário,  de  artista,  de  administrador  e  orientador,  tens  estado  a  meu  serviço,  junto  dos
homens, junto de mim. Há muita diferença...

 Mas, o interlocutor insistiu, humilde, e o mestre não lhe negou a concessão.

 Renasceu,  desse  modo,  muito esperançoso, e, aos vinte anos  de corpo físico, recebeu do
Alto o manto resplandecente da santidade.

 Manifestaram-se nele dons sublimes.

 Adivinhava, curava, esclarecia, consolava.

 A inteligência, a intuição e a ternura nele eram diferentes e fascinantes.

 E  o  povo,  reconhecendo-lhe  a  condição,  buscou-lhe,  em  massa,  as  bênçãos  e  diretrizes.
Bons  e  maus, justos  e injustos,  ignorantes e  instr uídos,  jovens e velhos, exigiram-lhe,  sem
consideração por  suas necessidades natur ais, a saúde, o tempo, a paz e a vida.



 Na  categoria de santo, não podia subtrair-se à luta, nem desesperar, e por mais que  fosse
rodeado de manjares e flor es, por par te dos devotos e beneficiários reconhecidos, não podia
comer,  nem  dormir,  nem  pensar,  nem  lavar-se.  Devia  dar ,  sem  reclamação,  as  próprias
forças, à maneira da vela, mantendo a chama por duas pontas.

 Não valiam escusas, lágrimas, cansaço e serviço feito.

O povo exigia sempre.

 Depois de dois anos de amargosa  batalha  espiritual,  atormentado e desgostoso,  dirigiu-se
em  preces  ao  Senhor   e  alegou  que  a  capa  de  santo  era  por  demais  espinhosa  e pesava
excessivamente.

 Reparando-lhe o pranto sincero, o Mestre ouviu-o, compadecido, e explicou:

 -  Olvidaste  que,  até  agora,  agiste  no  comando.  Na  posição  de  carpinteiro,  modelavas  a
madeira;  lavrador  determinava  o  solo;  médico,  ordenavas  aos  enfermos;  filósofo
arregimentava  idéias;  músico.  Tangias  o  instrumento;  escultor  cinzelava  a  pedra;  escritor
dispunha sobre as letras; professor instruía os menos sábios que tu mesmo; administrador e
legislador interferiam nos destinos alheios. Sempre te emprestei autoridade e recurso para os
trabalhos  de  determinação...  Para  envergares  a  capa  de  santo,  porém,  é  necessário
aprender a servir...

 A  fim  de  alcançares  esse  glorioso  fim,  serás,  de  ora  em  diante,  modelado,  brunido,
aprimorado e educado pela vida.

 E  enquanto  o  Mestre  sorria  complacente  e  bondoso,  o  discípulo  em  pranto,  mas
reconfortado, esperava novas ordenações para ingressar no precioso curso de obediência.

  

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