O Santo Ofício
protestou contra tal abolição perante o Rei e recorreu ao Papa. Os
inquisidores obtiveram do Papa um breve pontifício restabelecendo o confisco.
Quando apresentaram o documento a D. João IV, este argumentou que, como quem
ia ficar com os bens confiscados era ele, o monarca, ele podia perfeitamente,
como proprietário, devolve-los aos seus donos. Assim conseguiu manter a
resolução.
Ao mesmo tempo foi
criada uma companhia portuguesa para exploração das colônias com liberdade
para participação de capital judeu. Inscreveram-se os cristãos novos mais
ricos. Duarte da Silva, que dera o crédito para os navios de Holanda, e que
em seguida fora preso pela Inquisição, estava agora com os bens
desembaraçados em virtude da nova lei, reuniu-se a muitos outros, juntando-se
enorme capital.
A
Inquisição: primeira investigação. A inquisição, como era natural, revoltou-se, e Vieira
estava publicamente comprometido com a o projeto. O caso produziu escândalo
em toda a parte no país. Os amigos da Inquisição, que eram os inimigos dos
cristãos novos, juntos aos inimigos de Vieira, que eram muitos, não cessavam
de publicar a sua indignação. Pode-se afirmar que foi nesse tempo Antônio
Vieira o homem mais aborrecido em Portugal. Uns o apodavam de traidor, por
que sugeriu ao rei entregar Pernambuco aos holandeses em troca da paz, quando
a questão dos fiadores parecera sem solução. Outros o infamavam de herético,
por tentar restabelecer as sinagogas no reino.
Ora, o quanto
acabrunhado devia andar Vieira é fácil de imaginar. Afinal, era de se esperar
que Holanda fosse um país amigo de Portugal, porque também havia lutado
contra a Espanha para firmar sua soberania Se havia atacado e montado um
enclave no Brasil, o fizera exatamente porque era um ato hostil à Espanha
herdeira do reino e das colônias portuguesas no processo de sucessão de D.
Sebastião. Valia muitíssimo a pena ter novamente Holanda por aliada contra a
Espanha, garantindo assim a paz e segurança de todo o império português que
se desejava restaurar e fortalecer. Que isto custasse deixar os Holandeses em
paz no Pernambuco, havia parecido ao estadista, a certa altura dos
acontecimentos, um preço muito razoável. Quanto aos judeus, Vieira estava tão
certo que, ainda hoje, não se compreende como pôde Portugal agir com tanta
insensatez, expulsado de seu território justamente aqueles que haviam
desenvolvido o seu comércio e haviam feito de Lisboa o mais importante porto
comercial do Atlântico.
Os Inquisidores então
passaram a reunir "denuncias" contra Vieira: uso de livros
proibidos trazidos do estrangeiro; proposições como a da conveniência de
consentir em Lisboa, como se consentia em Roma, o funcionamento de sinagogas,
e várias repetições, pelos denunciantes, de afirmações muito conhecidas de
Vieira a respeito de que se desse tratamento diferentemente a judeus e a
judaizantes. Apesar de serem posturas conhecidas, ganhavam com a denuncia o
caráter de novidade indispensável para criar assombro e escândalo tardio.
Nada foi apurado que realmente fundamentasse um processo, mas as
investigações estimularam entre os jesuítas àqueles que não compreendiam
Vieira ou o hostilizavam gratuitamente.
Seus adversários em
sua própria Ordem acusaram-no de hábitos mundanos, adquiridos nas missões
diplomáticas, do vestuário secular que usou em lugar da batina, e de ter a
seu serviço um criado que Vieira pagava para lhe facilitar a vida apertada de
compromissos por toda a parte. Denuncias e queixas repetiram-se em Roma, e
tantas foram que o Geral determinou fosse Vieira expulso da ordem. O Geral
porem voltou atrás, quando o Provincial em Portugal informou que o rei,
determinara que nada se fizesse, pois afastaria Vieira da Corte
concedendo-lhe uma diocese. Mais surpreendente ainda a resposta de Vieira ao
soberano, dizendo que não trocaria sua batina de missionário nem por todas as
dioceses de Portugal.
Apesar de ocupado com
os negócios em que era chamado a opinar ou de que era incumbido por em
marcha, Vieira não abandona o púlpito nem suas obrigações religiosas, nem
deixa a morada com os companheiros jesuítas. Sem dúvida lhe custava tempo a
preparação de seus apreciados sermões cujas citações a filósofos, à
mitologia, etc., lhe custavam estudos. Diz Lúcio de Azevedo que ante a
submissão do acusado, e a atitude de franca proteção que adotara o soberano,
a sanha dos acusadores afrouxou. A pena foi suspensa e depois definitivamente
anulada.
Exausto talvez de
tantos esforços em maquinar meios de garantir a sobrevivência da monarquia
portuguesa, - mesmo que fosse às custas de casar o herdeiro português com a
princesa espanhola, com a condição de que a capital do reino fosse Lisboa, e
dentro da perspectiva de que esse casamento faria o príncipe português
herdeiro dos dois tronos -, decide que é o momento de voltar ao Brasil,
Não que lhe faltasse
a amizade do rei e do príncipe herdeiro D. Teodósio. Recebe ainda uma missão
de acompanhar à Inglaterra o novo embaixador português, porém a recusa. Na
data de seu embarque para o Brasil, depois de despedir-se do Rei, este tentou
sustar sua viagem mandando ordem ao capitão do navio para não admitir Vieira
a bordo. Pelo que diz o seu biografo sobre os pormenores de seu embarque,
esse gesto do Rei possivelmente o lançou em dúvida quanto a realmente seguir
para o Maranhão. Mas decidiu-se de vez e embarcou na primeira oportunidade,
dois meses depois. Em janeiro de 1653, desembarcou Vieira em São Luís do
Maranhão como superior dos missionários jesuítas.
Volta ao Brasil: Missão no
Norte. Na caravela em que não embarcara Vieira, haviam chegado antes dele ao
Maranhão não apenas os padres dos quais ele seria o provincial, mas também um
novo capitão mor que trazia carta do rei alforriando todos os índios da
província. Por falta de escravos pretos, eram os índios os escravizados para
os trabalho nas fazendas e na cidade. Aguardou-se a chegada de Vieira para a
publicação da lei. Quando o porteiro saiu a apregoar a determinação real ao
som do tambor, o povo afluiu à Câmara em protesto. A libertação dos índios
causaria a perda econômica que seria fatal para a província. Atribuíram aos
jesuítas haverem conseguido aquela lei dada pelo monarca e se indignaram
contra os padres, clamando expulsão e mesmo morte, para Vieira e seus
companheiros.
Vieira habilmente
encontrou a solução que apaziguou momentaneamente os ânimos. Propôs que
aqueles índios que eram legalmente escravos fossem assim mantidos, mas
aqueles mantidos ilegalmente em cativeiro fossem daí por diante pagos como
trabalhadores livres. Como os colonos não tinham propósito algum de pagar,
aceitaram satisfeitos a solução e voltaram com seus índios para suas fazendas
onde a situação dos silvícolas continuou a mesma.
Desde a chegada
desejou Vieira que as aldeias fossem, como na Bahia, entregues à direção dos
missionários, e pôs logo seu cuidado em visita-las. Tarefa penosa, pelos
descômodos e fadigas que impunha; as milhares de picadas de mosquito dia e
noite, o que, porém, ele aceitava de bom grado, pelos frutos que esperava de
tantos trabalhos e privações. Seu zelo levou-o até o Pará onde, com alguns
padres, navegou em canoas com extraordinário risco para avaliar a
potencialidade da província a seu cargo para o ministério jesuítico.
A questão dos índios
não chegava por nenhum dos lados a solução aceitável: nem os colonos
desistiam do sistema de escravidão que tinham instituído; nem os jesuítas
deixavam o propósito de lhes subtrair, ou pelo menos limitar, o domínio sobre
os silvícolas cristianizados.
Achando-se os
jesuítas acuados e limitados pelo poder dos fazendeiros, decidiu Vieira com
seus companheiros que iria ele a Portugal tratar as questões com o rei.
A segunda viagem a Portugal. Em breve visita a Portugal de 1654 a 1655 ele obteve
decretos protegendo os índios da escravidão e um monopólio para os jesuítas
na proteção dos índios.
Viagem atribulada, o
barco enfrentou uma tempestade quando já próximo aos Açores, chegando a virar
sobre um dos bordos, salvando-se por reconhecido milagre a tripulação e
passageiros. Um pirata holandês os encontrou, confiscando a carga de açúcar
que levavam, mas deixando-os em segurança no porto da Graciosa. Com o
dinheiro que havia manejado esconder, Vieira comprou roupas e comestíveis
para todos e meios para continuarem para Lisboa. Ficou nas ilhas por mais de
dois meses até partir para Lisboa em um navio inglês.
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