A primeira viagem à Europa. D. João IV
(reinou 1640-1656), nascido em 1604, era duque de Bragança. Subiu ao trono na
revolução vitoriosa contra os espanhóis em 1640. Pertencia à casa de Avis que
reinara antes dos 60 anos de domínio espanhol, fundando assim a dinastia dos
Bragança.
O vice-rei do
Brasil, tendo de enviar seu filho D. Fernando à Metrópole, a levar a adesão da
Colônia a D. João IV, fá-lo acompanhar de dois jesuítas, o Padre Vieira e outro
religioso também ilustre, o padre Simão de Vasconcelos, que seria depois
afamado cronista da Ordem.
A luta dos
portugueses contra o domínio espanhol, - esclarece Lúcio de Azevedo -, fora
sustentada por um civismo místico, com fundamento em profecias de Bandarra, um
sapateiro inspirado, que desde 1540, em um livro de trovas, consignara os destinos
de Portugal. Dos solares dos fidalgos às escolas onde as crianças rudes do povo
aprendiam, o Bandarra era o livro de leitura e a bíblia do patriotismo. Nada
contribuiu tanto para manter vívida a esperança na redenção do estrangeiro.
Suas profecias de grandeza esperava-se que se concretizariam com a volta de D.
Sebastião, que se supunha ainda vivo, pois ninguém o vira morrer na batalha em
África. Porém, torcidas, reinterpretadas, falseadas onde foi necessário,
aplicaram-se aos fatos da restauração. O Encoberto, o rei desconhecido de que
falavam os vaticínios, podia muito bem ser D. João, o Duque de Bragança.
Assim se
preparou o ambiente em que brotou a revolução pela restauração da monarquia
portuguesa. Restaurado o trono, ao Bandarra tributaram-se grandes honras. O
próprio D. João IV aceitava a designação de "O Encoberto", como
sagração de sua realeza pela intenção divina.
A essa crença
aderiu também Vieira. Seu companheiro de viagem, o Padre João de Vasconcelos,
compunha a "Restauração de Portugal", apologia mística do rei
aclamado, coligindo ali as maravilhas e profecias que justificavam o ato
revolucionário e foram a principal razão dele. Nas suas pegadas, Vieira
escreverá *Quinto Império do Mundo e *História do Futuro.
Conselheiro do
Rei. Ao cabo de aventurosa viagem com destino a Lisboa, o jovem fidalgo e
os dois religiosos foram obrigados a desembarcar em Peniche devido a uma
tempestade que desarvorou a nau, e ali um mal entendido os levou à prisão,
tomados por contra-revolucionários aderentes do governo espanhol. No dia
seguinte, desfeitos os equívocos, partiram para Lisboa.
Recebidos pelo
Rei, no mesmo instante Vieira conquistou a simpatia do monarca que, com
certeza, percebeu logo o quanto Vieira lhe poderia ser útil. Tinha Vieira não
apenas conhecimento dos assuntos do Brasil, como sabia muito da psicologia do
inimigo holandês.
Vieira está em
Lisboa com 33 anos de idade. Sua fama no Brasil já alcançara Portugal. Começa a
pregar na Igreja do seu Instituto - S. Roque. Lisboa invadia a igreja para ouvi-lo.
Convidado a pregar para o Rei, Vieira pregou pela primeira vez na Capela Real
no dia do Ano Bom de 1642. O Rei tornou-se admirador da personalidade magnética
e segura de Vieira e passou a olhar o jesuíta alto, magro e dinâmico como
"o maior homem do mundo".
Cada vez mais
íntimo da família real, estimado pela conversação inteligente e manifestamente
clara compreensão dos negócios do Estado, em pouco tempo Vieira dava o voto
mais autorizado e decisivo em importantes negócios de Estado. A essa ajuda na
qualidade de conselheiro, juntava-se outra ainda mais preciosa. Era tão
aflitiva a situação do reino que nos sermões cabia alertar o povo sobre tudo
que fosse interesse da pátria, pois não havia meios de comunicação senão as
prédicas e o que se noticiava de boca em boca.
Vieira pelo
concurso de ouvintes e influência da sua palavra, colocava-se inteiramente a
serviço do rei e até a favor dos impostos chama à responsabilidade os cidadãos.
Fazia sua exortação ao patriotismo paralelamente com a exortação moral em que
os negócios mais graves do Estado saiam a lume, e através de alegorias da
Bíblia analisava atos do governo e a conduta dos homens públicos. Quando
necessário, nem o próprio soberano, figura sagrada para o povo, escapava às
admoestações e à censura. "Sabei cristãos, sabei príncipes, sabei
ministros, que se vos ha de pedir estreita conta do que fizestes."
Completados os
35 anos, Vieira ainda não era jesuíta professo. Faltava-lhe fazer o quarto e
último voto, o de obediência ao Papa, que, segundo Lúcio de Azevedo, professou
em 26 de maio de 1644.
Missões e empenho pelos cristãos novos. Entre 1646 e
1650 Vieira esteve engajado em missões diplomáticas na Holanda, França e
Itália, com os mais variados misteres. A mais relevante foi com certeza a do
acordo entre Portugal e Holanda. A Holanda queria uma indenização por ter
perdido Pernambuco, mas que intentava reconquistar. Preparou uma nova frota
para ir ao Brasil a qual, para felicidade de Portugal, se desmantelou no
Atlântico devido a forte tempestade. O ponto dificultoso das negociações era a
fiança que haveriam os holandeses de pedir pela mora, até se realizar cinco ou
seis anos mais tarde o pagamento final.
Aqui se oferece
a Vieira ensejo de renovar seu empenho em favor da gente hebraica. Ele havia
apresentado em 1643 uma exposição de motivos ao Rei, na qual argumentava que o
reino estava em estado miserável depois do domínio espanhol (que não defendera
as colônias de Portugal permitindo que a Holanda se apoderasse de boa parte
delas) e que era um contra-senso a perseguição aos judeus. Dizia "Por
estes reinos e províncias da Europa está espalhado grande número de mercadores
portugueses, homens de grandíssimos cabedais, que trazem em suas mãos a maior
parte do comércio e riquezas do mundo. Todos estão desejosos de poder tornar
para o Reino...Se Vossa Majestade for servido de os favorecer e chamar, será
Lisboa o maior império de riquezas..." Dizia mais que todos os países viam
a miséria de Portugal. Nenhum país colocara embaixada no Reino restaurado e que
o desprezo era tanto que o Papa não recebeu o embaixador português.
A volta dos
judeus, além de enriquecer Portugal, haveria de enfraquecer o inimigo que deles
se valiam com grande vantagem, porque na Espanha, judeus portugueses estavam
cuidando da administração da fazenda real e emprestando ao monarca espanhol
muitos milhões enquanto não chegavam as frotas com o ouro da América. "E o
mesmo sucederá na Holanda, cujas companhias, que nos tem tomado quase toda a
índia, África e Brasil, vivem em boa parte à custa da finança judaica
portuguesa". E lembra ainda os exemplos da França e da própria Roma,
"onde se permite a existência de sinagogas com seu culto". E porque
se permitia no reino de Portugal comerciantes protestantes de várias
nacionalidades e não se permitiam comerciantes judeus?
A Companhia de
Jesus considerava imprudente e comprometedor o empenho de Vieira. O Rei,
escreveu uma carta (1644) ao Provincial da Companhia recomendando que não fosse
maltratado Vieira por motivo de suas idéias.
Seu plano no
negócio com a Holanda, como um desdobramento da representação antes feita, era
que dos cristãos novos poderiam vir a dar a fiança necessária ao acordo.
De volta de
Paris onde fora tentar o apoio do governo francês para as negociações com a
Holanda, Vieira deteve-se em Ruão para consultar os cristãos novos portugueses
ali residentes. Além da questão dos créditos que buscava para o reino, Vieira
empenhou-se com os judeus sobre o projeto de os restituir à pátria. Naquela
cidade florescia então, com o consentimento tácito das autoridades, o judaísmo,
e era ela, quase tanto como Holanda, refúgio dos hebreus portugueses.
Uma vez na
Holanda entrevistou-se também com os judeus de Amsterdã e lhes fez promessas
como aos de Ruão, no sentido de trabalhar para que fossem favorecidos com
mercês régias os cristãos novos.
Homem preocupado
com todos os assuntos que dissessem respeito a Portugal, Vieira, estava também
empenhado em que Portugal reformasse os velhos galeões e adquirisse navios
modernos para a sua frota. Aconselhara o rei a comprar quinze fragatas armadas,
que em Holanda se ofereciam ao preço de vinte mil cruzados cada uma. Alguns
desses navios foram adquiridos por intermédio do embaixador em França e ele
próprio levou encargo para outros, quando no ano seguinte voltou à Holanda,
para o que obteve de dois importantes negociantes cristãos novos os recursos
necessários.
Sentindo o apoio
firme de D. João IV, tomou Vieira a iniciativa de defender os judeus contra a
Inquisição que lhes confiscava os bens antes mesmo de encontrar-lhes culpa
formada.
D. João IV não podia desfazer as penas impostas ao crime de heresia pelo direito canônico, nem intervir na jurisdição do Santo Ofício. Com certeza por inspiração de Vieira, assinou um alvará que solucionava a questão, ou seja, que os cristãos novos não perdessem os seus bens quando detidos pelo Tribunal por culpas inventadas por inimigos seus. D. João se comprometia a devolver aos cristãos novos aquilo que lhes fosse confiscado, pois embora a condenação fosse feita pela Igreja, os bens confiscados destinavam-se ao Estado, deduzido pela Inquisição o necessário para sustento da sua máquina e liturgia.
D. João IV não podia desfazer as penas impostas ao crime de heresia pelo direito canônico, nem intervir na jurisdição do Santo Ofício. Com certeza por inspiração de Vieira, assinou um alvará que solucionava a questão, ou seja, que os cristãos novos não perdessem os seus bens quando detidos pelo Tribunal por culpas inventadas por inimigos seus. D. João se comprometia a devolver aos cristãos novos aquilo que lhes fosse confiscado, pois embora a condenação fosse feita pela Igreja, os bens confiscados destinavam-se ao Estado, deduzido pela Inquisição o necessário para sustento da sua máquina e liturgia.
Autor deste artigo>Rubem Queiroz Cobra
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