Meus Amigos

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Afeições e conflitos


Afeições e conflitos


Quando os conflitos interiores não se encontram solucionados e a imaturidade predomina no compor­tamento psicológico do ser, a sua afetividade é instá­vel, perturbada, exigente, nunca se completando.
Ninguém consegue viver sem afeição. E quando isso ocorre, expressa algum tipo de psicopatologia, porqüanto o sentimento da afetividade é o veio aurífero de enriquecimento da criatura psicológica. Sem esse sentido da vida, ocorre uma hipertrofia de valores emo­cionais e o indivíduo em desarmonia, degenera.

A afeição é inata ao ser humano, como o instinto que alcança um patamar mais elevado no seu processo de desenvolvimento de valores inatos, podendo-se per­der, mesmo embrionariamente, nas expressões de di­versos animais, na sua maternidade, na defesa das cri­as, nas brincadeiras e jogos que se permitem. Momen­tos surgem, nos quais se tem idéia de que pensam e se ajudam. Posteriormente, esse instinto cresce e adquire maior soma de sensibilidade, quando identifica pelo odor aquele que o cuida, nota-lhe a ausência, sofre-a e, às vezes deperece até a morte por inanição, negando-se ao alimento, em razão da morte daquele que o cui­dava e a quem se ligava...

No ser humano, mais desenvolvido molecularmen­te, portador de um sistema nervoso mais avançado, surge como afetividade, a princípio atormentada, inse­gura, exigente, depois calma, produtiva e compensa­dora.

Porque permanece em conflitos consigo mesmo, o ser que transita na inquietação não se permite afeição alguma, nem se doando, nem a aceitando de outrem, face à insegurança em que se encontra, por desconfian­ça de que a mesma se expresse como forma de senti­mentos inconfessáveis, ou porque se lhe deseja explo­rar.

Vitimado por não confessável complexo de inferi­oridade, em que se compraz, não acredita merecer afei­ção, ampliando a área dos conflitos e abrindo espaço para vinculação terrível com parasitas espirituais, que se transformam em estados obsessivos de larga dura­ção.
Qualquer indivíduo merece afeição e deve esfor­çar-se por desenvolvê-la e experienciá-la. Trabalhando-se interiormente, reflexionando em torno dos direitos e valores que todos possuem ante a Vida, reformula pla­nos mentais e dá-se conta de que é portador de um te­souro de ternura ainda submersa no ego, que é capaz de expandi-la e digno de a receber também. Quando isso não se lhe faz possível, o auxílio de um psicólogo ou de um psicanalista é valioso, ou mesmo de um grupo social de ajuda, porque, de alguma forma, quase to­das as pessoas possuem conflitos semelhantes, que va­riam apenas na forma de expressar-se.

Muitos fatores perinatais e da infância predomi­nam na área dos conflitos e da desafeição. São registros que não foram digeridos, nem consciente ou inconsci­entemente, remanescendo como trauma de solidão, de desamor, de rejeição, de decepção dos pais e do institu­to familiar ou meio social, ou mesmo heranças genéti­cas, que agora se manifestam em isolacionismo, em cen­suras doentias, em autoflagelações dolorosas, quão in­justificáveis.
A afeição dá sentido à existência humana, facul­tando-lhe a luta otimista, o esforço continuado, o interesse permanente, a conquista de novos valores para progredir e enobrecer-se. Não é tanto a condição moral que a estimula, senão o objetivo que se tem a seu res­peito, que desenvolve o sentimento moral. Quando isso não ocorre, surgem o fanatismo de qualquer expressão, o mascaramento de natureza moral, em processos psi­cológicos de transferência, que aparecem como purita­nismo, exigência descabida de valores éticos e uma in­suportável conduta de aparência que está longe da rea­lidade interior.
Ela tem início em um sentido de carinho que se expande e enlaça os seres sencientes, aumentando até o encontro com a criatura humana, que igualmente necessita de afeto e pode retribuí-lo, em intercâmbio que dignifica e dá significado à existência.
Quando escasseia a afetividade, o que se deriva de conflitos anteriores, pode a criatura esforçar-se por bus­car objetivos, senão no presente, pelo menos no futuro.
Fixando alguma coisa ou pessoa que desperte in­teresse ou alguma forma de simpatia, que se transfor­mará em afeição com o decorrer do tempo, liberando-­se da algidez emocional, passa a fixar-se nos aconteci­mentos do passado e procura deles desvencilhar-se; assinalado, no entanto, pelo trauma que o esmaga, lu­tará, agora que possui motivação para continuar a vi­ver, com insistente tenacidade, a fim de libertar-se de tudo que lhe é perturbador.
A logoterapia, proposta por Viktor Frankl, convo­ca o ser para projetar-se no futuro, nas possibilidades ainda não exploradas, que são um manancial inesgotá­vel de recursos que aguardam oportunidade para ma­nifestar-se.
“— Que meta poderia alguém acalentar em um campo de concentração, de trabalhos forçados e de exter­mínio sistemático — interroga o logoterapeuta — para superar a depressão e encontrar objetivo para lutar, para viver?”

Ele próprio responde: “— Projetá-lo no futuro. Des­cobrir se alguma coisa o aguarda, quando sair do cam­po: um filho, uma esposa, um sentimento de arte, de cultura, algum projeto interrompido!”
E conclui, confortavelmente: “— Quase todos os in­ternados tinham algo que fazer, que terminar, nem que fosse denunciar a crueldade assassina dos seus algo­zes, a indiferença da cultura e da civilização com o des­tino que lhes havia sido reservado, por motivo nenhum, como se houvesse algum motivo que tornasse o ser humano bestial e tão perverso.”
Aqueles carcereiros impiedosos haviam destruído o próprio sentimento de humanidade e converteram-se em sicários, tornando as demais criaturas que lhes caíam nas mãos, apenas um número que não lhes sig­nificava nada e que lhes proporcionava o prazer de os esmagar, de destruir-lhes a alma, o valor, coisificando­as, zerando-as. Não obstante, eram pais e mães gentis, quando retornavam aos lares, bons vizinhos e afáveis cidadãos, com as exceções compreensiveis...

A crueldade mais acerba, todavia, se manifestava, em forma patológica de ausência de afeição nos guar­das recrutados entre os próprios prisioneiros, que se faziam verdugos implacáveis, buscando sobreviver, desfrutar de alguns favores e concessões dos seus per­seguidores.
Os conflitos mal controlados levam o indivíduo àcrueldade, à total insensibilidade, por sentir-se descon­fortado em si mesmo, transferindo o rancor da própria situação contra aqueles que acredita felizes e os fazem invejá-los..

Mediante a conquista da afetividade, lenta e segu­ramente, são superados os conflitos perturbadores, abrindo-se os braços, a princípio à solidariedade, de­pois ao cumprimento dos deveres de fraternidade, que levam ao amor.
Os sinais evidentes de uma existência e de um ser normais, são os pródromos do desabrochar da afetivi­dade tranqüila, que se desenvolve estimulando à luta, ao crescimento interior.

Divaldo Franco - Joanna de Angelis - Livro Amor Imbativel Amor - Editora LEAL

Nenhum comentário: