O CRISTÃO
QUE VOLTOU
Conta-se
que certo cristão de recuados tempos, após reconhecer a grandeza do Evangelho,
tomou-se de profunda ansiedade pela completa integração com o Senhor. Ouvia,
sequioso de paz celeste, as preleções dos missionários da Revelação Divina e,
embora tropeçasse nos caminhos ásperos da Terra, permanecia em perene
contemplação do Céu, repetindo:-Jamais serei como os outros homens, arruinados
e falidos na fé! Oh! meu Salvador, suspiro pela eterna união contigo! De fato,
conquanto não guardasse o fingimento do fariseu, em pronunciando semelhantes
palavras, fixava as lutas e fraquezas do próximo, com indisfarçável horror.
Assombravam-no os conflitos humanos e as experiências alheias repercutiam-lhe
na alma angustiosamente. Não seria melhor retirar-se? Ponderava amedrontado.
Não seria razoável refugiar-se na oração e aguardar o encontro divino?
Figurava-se-lhe o mundo velho campo lodoso, ao qual era indispensável
fugir.Concentrado em si mesmo, adotou o isolamento como norma a seguir no trato
com os semelhantes. Desligado de todo os interesses do trabalho humano, vivia
em prece contínua, na expectativa de absoluta identificação com o Mestre. Se
alguma pessoa lhe dirigia a palavra, respondia receoso, utilizando monossílabos
apressados. Pesados tributos de sofrimento exigia a vida de bocas levianas e
insensatas e, por isso, temia oferecer opiniões e pareceres. Nas assembléias de
oração, quase nunca era visto em companhia de outrem. Desviava-se de tudo e de
todos na sua sede de Jesus Cristo. À noite, sonhava com a sublime união e,
durante o dia, consagrava-se a longos exercícios espirituais, absorvido na
preparação do dia glorioso.Nem por isso, contudo, a vida deixava de acenar-lhe
ao espírito, convidando-lhe o coração ao esforço ativo. No lar, no templo, na
via pública, o mundo chamava-o a pronunciamento em setores diversos.
Entretanto, mantinha-se inflexível. Detestava as uniões terrestres, desdenhava
os laços afetivos que unem os seres, zombava de todas as realizações
planetárias e punha toda a sua esperança na rápida integração com o Salvador.
Se encontrava companheiros cogitando de serviços políticos, recordava os
tiranos e os exploradores da confiança pública, asseverando que semelhantes
atividades constituíam um crime. A frente de obrigações administrativas,
afirmava que a secura e a dureza caracterizam a atitude dos que dirigem as
obras terrenas e, perante os servidores leais em ação, classificava-os à conta
de bajuladores e escravos inúteis.
Examinando
a arte e a beleza, desfazia-se em acusações gratuitas, definindo-as por
elemento de exaltação condenável da carne transitória e, observando a ciência,
menoscabava-lhe as edificações. Unir-se-ia a Jesus, - ponderava sempre - e
jamais entraria em acordo com a existência no mundo. Se companheiros abnegados
lhe pediam colaboradores em serviços terrestres, perguntava:-Para quê? E
acrescentava:-Os felizes são bastante endurecidos para se aproveitarem de meu
concurso, e os infelizes bastante desesperados, merecendo, por isso mesmo, a
purificação pela dor. Não pertubarei meu trabalho, seguirei ao encontro de meu
Senhor.E de tal modo viveu apaixonado pela glória do encontro celeste se
retirou, um dia, do corpo, pela influência da morte, revestido de pureza
singular. Na leveza das almas tranquilas, subiu, orgulhoso de sua vitória, para
ter com o Senhor e com Ele identificar-se para sempre. No esforço de ascensão,
passou por velhos desiludidos, mães atormentadas, pais sofredores, jovens sem
rumo e espíritos infortunados de toda sorte... Não lhes deu atenção, todavia.
Suspirava por Cristo, pretendia-lhe a convivência para eternidade. Peregrinou
dias e noites, procurando ansiosamente até que, em dado instante, lhe surgiu
aos olhos maravilhados um palácio deslumbrante. Luzes sublimes banhavam-no todo
e lá dentro harmonias celestes se fazem ouvir em deliciosa surdina O crente
ajoelhou-se e chorou de júbilo intenso. Palpíta-lhe descompassado o coração
amante. Ia, enfim, concretizar o longo sonho.Contudo, antes que se dispusesse a
bater junto à portaria resplandecente, apareceu-lhe um anjo, diante do qual se
prosterna, extasiado e feliz. Quis falar mas não pôde. A emoção embargava-lhe a
voz, todavia o mensageiro afagou-lhe a fronte exclamou compassivo:-Jesus
compadeceu-se de ti e mandou-me ao teu encontro.- Estamos no Reino do Senhor? -
inquiriu, afinal, o crente venturoso.- Sim, respondeu o emissário angélico,
temos à frente início de vasta região bem-aventurada do Reino.- Posso entrar? -
indagou o cristão contente.O anjo fixou nele o olhar melancólico e informou:-
Ainda não, meu amigo. E ante o interlocutor, profundamente decepcionado
continuou: - Realizaste a fiel adoração do Mestre, mas não executaste o
trabalho do Pai. Teu coração em verdade palpitou pelo Cristo entretanto, Jesus
não se enfeita de admiradores apaixonados, como árvores que se adornam de
orquídeas. Não pedi cortejadores para a sua glória e sim espera que todos os
seus aprendizes sejam glorificados. Por isso, em sua passagem pela Terra nunca
se afirmou proprietário do mundo ou doador das bênçãos. Antes, atendeu a todos
os sublimes deveres do serviço comum e convidou os homens a cumprir os
superiores desígnios do nosso Eterno Pai. Não deixou os discípulos diretos, aos
quais chamou amigos, na qualidade de flores ornamentais de sua doutrina e sim
na categoria de sal da Terra destinado à glorificação do gosto de
viver.Estabelecera-se longa pausa que o mísero desencarnado não ousou
interromper. O mensageiro, porém, acariciando-o, com humildade, observou
ainda:-Volta, meu amigo, e completa a realização espiritual! Não procures Jesus
como admirador apaixonado, mas inútil... Torna ao plano terrestre, luta, chora,
sofre e ajuda no círculo dos outros homens! A dor conferir-te-á dons divinos, o
trabalho abrir-te-á portas benditas de elevação, a experiência encher-te-á o
caminho de infinita luz e a cooperação entregar-te-á tesouros de valor imortal!
Não necessitarás, então, procurar o Senhor, como quem busca a um ídolo, porque
o Senhor te procurará como amigo fiel! Volta e não temas!Nesse momento, algo
aconteceu de inesperado e doloroso. Desapareceram o palácio, o anjo e a
paisagem de luz... Estranha escuridão pesou no ambiente e, quando o pobre
desencarnado tornou a sentir o beijo da luz nos olhos lacrimosos,
encontrava-se, no mesmo lar modesto de onde havia saído, ansioso agora por
retomar o trabalho da realização divina noutra forma carnal.
Irmão X