As flores foram criadas no mundo como símbolos de beleza, da
pureza e da esperança.
Como o homem que vê as corolas se abrirem todas as primaveras,
as flores se fanarem para dar lugar aos frutos deliciosos, como não pensa o
homem que assim sua vida murchará para dar frutos eternos? Que vos importam,
pois, as tempestades e as torrentes? Estas flores jamais perecerão, como não
perece a mais frágil obra do Criador. Coragem, pois, homens que caís pela
estrada; levantai-vos como o lírio, após a tempestade, mais puros e mais
radiosos. Como às flores, os ventos vos açoitam à direita e à esquerda; eles
vos derribam e sois arrastados pela lama; mas quando o sol reaparece reergueis
também vossas cabeças mais nobres e mais altas.
Amai, pois, as flores. Elas são o emblema de vossa vida e não
deveis corar por serdes a elas comparados. Tende-as nos vossos jardins, nas
vossas casas, mesmo nos vossos templos, pois elas estarão bem por toda parte;
em todos os lugares elas levam a poesia: elevam a alma de quem as sabe
compreender. Não foi nas flores que Deus desdobrou todas as suas
magnificências? De onde conheceríeis as cores suaves com que o Criador alegrou
a Natureza se não fossem as flores? Antes que o homem tivesse cavado as
entranhas da terra para achar o rubi e o topázio, tinha as flores à sua frente;
e essa variedade infinita de nuanças já o consolava da monotonia da superfície
da Terra. Amai, pois, as flores: sereis mais puros, sereis mais amoráveis;
talvez sejais mais infantis, mas sereis os filhos queridos de Deus e vossas
almas simples e sem mácula serão acessíveis a todo o seu amor, toda alegria com
que ele aquecerá os vossos corações.
As flores querem ser tratadas por mãos esclarecidas: a
inteligência é necessária à sua prosperidade; durante muito tempo estivestes
errados na Terra, deixando tal cuidado a mãos inábeis, que as mutilavam,
julgando embelezá-las. Nada mais triste que as árvores redondas ou pontiagudas
de alguns dos vossos jardins: pirâmides de verdura, que fazem o efeito de um monte
de feno. Deixai que a Natureza se desenvolva sob mil formas diversas: aí está a
graça. Feliz aquele que sabe admirar a beleza de uma haste que se balouça,
semeando a poeira fecundante; feliz aquele que vê em suas cores brilhantes um
infinito de graça, de finura, de colorido, de nuanças que fogem e se buscam, se
perdem e se reencontram. Feliz aquele que sabe compreender a beleza da gradação
dos tons! Desde a raiz escura, que se casa a terra, como as cores se fundem até
o escarlate da tulipa e da papoula! (Por que esses nomes rudes e originais?)
Estudai tudo isto e olhai as folhas que saem umas das outras como gerações
infinitas, até o seu completo desabrochar sob a cúpula do céu.
Não parece que as flores deixam a Terra para lançar-se para
outros mundos? Não parece que muitas vezes vergam, dolorosas, a cabeça, por não
poderem elevar-se ainda mais alto? Não julgamos que, por sua beleza, estejam
mais próximas de Deus? Imitai-as, pois, e tornai-vos cada vez maiores, cada vez
mais belos.
Vossa maneira de aprender Botânica também é defeituosa: não
basta saber o nome de uma planta. Aconselho-te, quando tiveres tempo, a
trabalhar numa obra deste gênero. Defiro para mais tarde as lições que hoje
desejaria dar-te: elas tornar-se-ão mais úteis, quando tivermos em mãos a sua
aplicação. E então falaremos do gênero de cultura, dos lugares que lhes convêm,
do arranjo do edifício para arejamento e a salubridade das habitações.
(Espírito de Bernard Palissy - R. E. 1858);
Nota do compilador: Bernard Palissy (1510 - 1589 ou 1590).
Ceramista, esmaltador, pintor, vidreiro, escritor e erudito francês. Suas
cerâmicas rústicas são decoradas com plantas, frutas e animais. Era autodidata.
Interessou-se pelas ciências naturais e publicou diversas obras a respeito.
Estudou os fósseis. Foi preso como huguenote e morreu na Bastilkha.
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